Arquivo mensal: outubro 2014

O mito corporificado – Íviler Rocha conta o mito de Obaluaye

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Obaluayê (ou Omolu) é o Sol, a quentura e o calor do astro rei. É o Senhor das pestes, das moléstias contagiosas, ou não. É o rei da Terra, do interior da Terra, e é o Orixá que cobre o rosto com o Filá (de palha – da – Costa), porque para os humanos é proibido ver seu rosto, pela deformação feita pela doença, e pelo respeito que devemos a este poderosíssimo Orixá.
Filho de Nanã – que abandou por ser doente – foi criado por Iemanjá. Chegando de viagem à aldeia onde nascera, Omolu viu que estava acontecendo uma festa com a presença de todos os Orixás. Omolu não podia entrar na festa, devido à sua medonha aparência. Então ficou espreitando pelas frestas do terreiro. Ogum, ao perceber a angústia do Orixá, cobriu-o com uma roupa de palha, com um capuz que ocultava seu rosto doente, e convidou-o a entrar e aproveitar a alegria dos festejos.
Apesar de envergonhado, Omolu entrou, mas ninguém se aproximava dele. Iansã tudo acompanhava com o rabo do olho. Ela compreendia a triste situação de Omolu e dele se compadecia. Iansã esperou que ele estivesse bem no centro do barracão. O xirê estava animado.
Os Orixás dançavam alegremente com suas equedes. Iansã chegou então bem perto dele e soprou suas roupas de palha, levantou-lhe as palhas que cobriam sua pestilência. Nesse momento de encanto e ventania, as feridas de Omolu pularam para o alto, transformadas numa chuva de pipocas, que se espalharam brancas pelo barracão. Omolu, o deus das doenças, transformara-se num jovem, num jovem belo e encantador.
Omolu e Iansã tornaram-se grandes amigos e reinaram juntos sobre o mundo dos espíritos dos mortos, partilhando o poder único de abrir e interromper as demandas dos mortos sobre os homens.
Certo dia, numa de suas jornadas, chegou até uma aldeia, coberto de palha, como sempre viveu. Como todos conheciam sua fama, suas ligações com as moléstias contagiosas, foram barradas antes mesmo de penetrar na aldeia.
-Não o queremos aqui! – disse o dirigente da tribo.
– Mas quero apenas água e um pouco de comida, para prosseguir minha viagem. Apenas isso! – respondeu Obaluayê.
– Vá-se embora, Obaluayê! Não precisamos de doença, nem de mazelas em nossa aldeia. Vá procurar água e comida em outro lugar!
E Obaluayê, então foi sentar-se no alto do morro próximo. A manhã mal começara e ele ficou, sentado, envolto em palha da costa, observando a subida do sol.
O tempo foi passando, as horas foram-se passando e, ao meio-dia, exatamente, o Sol já escaldante, tornou-se insuportável. A água ficara quente, o alimento se estragava e toda a tribo se contorcia de dor, aflição e agonia. Obaluayê a tudo observava, imóvel, como um totem, como um símbolo de palha.
Na aldeia um alvoroço se fez. Uns tinham dores na barriga, outros tinham forte dores de cabeça. Outros, ainda, arrancavam sangue da própria pele, numa coceira incontrolável. Outros agiam como loucos incontrolados. Aos poucos, a morte foi chegando para alguns.
Obaluayê apenas assistia…
Parecia que o tempo havia parado ao meio-dia, mas, na verdade, foram três dias de sol quente, pois a noite não chegava. Era apenas sol durante todo o tempo. E durante todo o tempo a aldeia viu-se às voltas com doenças, loucura, sede, fome, morte!
Obaluayê, inerte, via tudo, imóvel…
Não agüentando mais, e vendo que Obaluayê continuava do alto do pequeno morro observando, o dirigente de aldeia foi até ele suplicar perdão, atirando-se aos seus pés.
– Em nome de Olorun, perdoe-nos! Já não suportamos tanto sofrimento! Tente perdoar, por favor, Senhor Obaluayê! Tente perdoar!
De súbito, Obaluayê levantou-se, desceu até a aldeia e pisou na terra. Tornou-a fria. Tocou na água, tornou-a também fria; tocou os alimentos e tornou-os novamente comestível; tocou a cabeça de cada um dos aldeões e curou-lhes a doença; tocou os mortos e fez voltar a vida em seus corpos.
Restaurada a normalidade, Obaluayê pediu mais uma vez:
-Quero um pouco de água e alguma comida para prosseguir viagem.
Num instante foi-lhe servido o que de melhor havia em toda a aldeia. Deram-lhe, vinhos de palmeira, frutas, carne, legumes, cereais, enfim, o que tinham de melhor.
Voltando-se para os aldeãos, Obaluayê deu-lhes uma lição de vida.
-Vivemos num só mundo. Sobre a mesma terra, debaixo do mesmo sol. Somos todos irmãos e devemos ajudar uns aos outros, para que a vida seja mantida. Dar água a quem tem sede, comida a quem tem fome é ajudar a manter a vida.